Negligenciar o repouso para resolver questões profissionais não é uma boa ideia. Veja as consequências para quem faz isso
Desde criança aprendemos que precisamos de um boa noite de sono para nos sentir dispostos. Quando as preocupações se limitam a tirar boa nota na escola e se divertir com os amigos é fácil manter esse padrão. Mas o que fazer quando os compromissos aumentam?
À medida que a vida adulta começa a tomar forma, obrigações como faculdade, trabalho e pagamento de boletos se tornam preocupações maiores e o descanso fica num plano secundário. No entanto, os minutinhos — ou horas — perdidos podem fazer mais falta do que se imagina.
A Pesquisa Global de Sono da Philips de 2020, realizada com 11 006 pessoas de 12 países, mostrou que, para 44% dos que responderam às questões, a qualidade do sono piorou nos últimos cinco anos. Além disso, 62% dos entrevistados admitem que se deitam e ficam revirando na cama.
“Dormir é essencial para nossas funções cognitivas. Uma noite maldormida leva a um dia com déficit cognitivo”, diz Maurício da Cunha Bagnato, pneumologista da Unidade de Medicina do Sono do Hospital Sírio-Libanês. A piora pode ser observada na concentração, nos reflexos motores, na memória, no humor e também no foco.
Consequências graves
Mas não é somente no curto prazo que o sono pode afetar a saúde das pessoas. Afinal, sua principal função é recuperar o corpo das tarefas diárias. Quando descansamos, nosso cérebro metaboliza todas as toxinas absorvidas durante as horas em que ficamos acordados.
“Você precisa diminuir a frequência das ondas cerebrais para ativar o processo de regeneração do corpo”, diz Geraldo Lorenzi, pneumologista e diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração. É no repouso que o organismo tem maior atividade imunológica, produz hormônios e organiza a memória. “O sono é tão fundamental quanto se alimentar ou ingerir água”, afirma o diretor.
Um estudo publicado na revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos por pesquisadores do Southwestern Medical Center, da Universidade do Texas, comprovou as graves consequências da falta de repouso.
Os cientistas analisaram voluntários que, durante sete dias, dormiram menos de 6 horas por noite. Uma semana de pouco descanso já foi capaz de alterar 700 genes — indicando que problemas como hipertensão, diabetes, obesidade, depressão, ataque cardíaco e derrame podem ser estimulados pelas noites insones.
“A privação do sono influencia na modificação da expressão de genes, e isso ativa diferentes funções no corpo”, explica Maurício, do Sírio-Libanês. Embora a duração ideal de sono varie de pessoa para pessoa, em média, os adultos deveriam passar de 7 a 8 horas diárias dormindo.
Relógio biológico
O corpo humano funciona num ritmo cíclico de 24 horas, o chamado relógio biológico. O controle desse mecanismo é realizado por meio de dois fatores: os externos, que são a luminosidade e a escuridão, e os internos — compostos químicos que ajustam a rotina, como a melatonina (que aumenta a sonolência) e o cortisol (que nos faz acordar). “Quando esse ciclo é quebrado, há consequências para o organismo”, diz Maurício.
Nos séculos passados, a quantidade de hormônio liberado no decorrer do dia seguia o ritmo do sol: pela manhã, muito cortisol e pouca melatonina; e à noite, pouco cortisol e muita melatonina.
Hoje, esse equilíbrio natural não existe mais. Com telas por todos os lados, não conseguimos diminuir o ritmo à noite nem preparar o corpo para a quietude da sonolência.
“O contato com a luz externa durante o dia diminui os níveis de melatonina no corpo, mas no período da noite ainda estão baixos por causa da exposição à luminosidade artificial”, explica Maurício.
O empresário Leandro Molina, de 28 anos, sofria com esse problema. Nos dois últimos anos da faculdade de direito, sua rotina era tão acelerada que os episódios de insônia ocorriam diariamente. Ele voltava da universidade tarde da noite, mas chegava em casa muito desperto. Só conseguia se deitar perto das 2 da madrugada, depois de ter jantado, fumado e assistido a um filme ou a uma série.
De manhã era difícil sair da cama. “Eu passava o dia sonolento e cansado, tinha episódios de irritação e a concentração perturbada”, diz. A rotina durou toda a vida universitária e ele só conseguiu mudar as coisas quando se formou.
“Hoje eu durmo e acordo todos os dias no mesmo horário, me desligo das preocupações externas horas antes de deitar e gosto de ler para ficar sonolento.” Leandro também faz atividades físicas pelo menos três vezes por semana e não leva mais trabalho para casa.
Há dois anos não tem mais problemas para dormir. “No começo eu fazia exercícios de respiração e até contava carneirinhos, hoje eu só deito na cama e durmo”, afirma.
As dificuldades vividas por Leandro são compartilhadas por muitos brasileiros. Na pesquisa da Philips, 36% dos entrevistados afirmaram ter insônia recorrentemente e 35% disseram que distrações com entretenimento, como televisão, filmes e redes sociais, afetam o sono.
E talvez a cultura corporativa que glamouriza o excesso de trabalho e o presenteísmo influenciem na falta de descanso e aumentem o estresse. “O sucesso está associado à inquietação. Temos de repensar esses modelos que causam desgaste”, diz Anderson de Souza Sant’Anna, professor na FGV EAESP.
De olhos abertos
São muitos os motivos que levam uma pessoa a ficar acordada durante a noite. Há fatores simples, como barulho, colchão ruim e luminosidade excessiva — que podem ser solucionados com medidas singelas, como a troca das cortinas do quarto.
Outras razões, porém, são mais graves. Entram nesse pacote problemas como insônia, síndrome das pernas inquietas (uma vontade incontrolável de mexer as pernas), problemas nasais, dores crônicas e apneia do sono.
Mas não é só o físico que atrapalha. “Questões psicológicas, como estresse, ansiedade, depressão, têm tido bastante relevância”, diz Maurício. Nesses casos, é preciso buscar ajuda profissional.
Quem passou por isso foi Luan Santos, de 30 anos. Instrutor de direção em autoescola, uma das habilidades mais importantes para o trabalho é a atenção. Mas as noites mal dormidas estavam prejudicando sua concentração. Numa dessas madrugadas, a namorada de Luan o alertou: ele tinha parado de respirar por um instante.
Ele, então, resolveu procurar ajuda profissional e submeteu-se a uma polissonografia, exame que avalia a atividade respiratória e muscular durante o sono. Foi aí que descobriu que acordava, em média, 81 vezes durante a noite com falta de ar. Com sobrepeso e apneia, os riscos de AVC e infarto eram enormes.
A saída foi fazer dieta e atividades físicas. Depois de dois meses com alimentação regrada e prática de exercícios diariamente, Luan perdeu 12 quilos e seu sono melhorou. A meta é perder mais 10 até o fim do ano. “Os exercícios físicos foram o ponto crucial, mas também evito o celular e a televisão. Nos fins de semana mantenho a mesma rotina do sono, e isso também ajuda”, explica Luan.
Claro que mudar o estilo de vida é difícil. Ainda mais com as dificuldades do mundo atual, extremamente veloz e conectado, que nos deixa com a ansiedade à flor da pele — e com a falsa sensação de precisar agir como robôs (que não dormem nunca) para nos manter relevantes. Mas isso é um mito. “Existe um peso social de que sono é fraqueza, falta de eficiência, preguiça. Temos de ressignificar esses valores, olhar para nós mesmos de uma forma diferente”, diz Anderson. E nada melhor do que uma boa noite de sono para colocar as ideias em ordem.
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